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Alunos aprendem mais quando a gestão é acolhedora

Uma boa liderança escolar pode promover um ambiente seguro e inclusivo, focado no desenvolvimento dos alunos e da equipe como um todo

A escola é o primeiro espaço de socialização das crianças além do núcleo familiar e segue sendo um dos principais ambientes de troca ao longo de sua trajetória educacional. Desde os primeiros passos longe da proteção dos pais até os desafios enfrentados na adolescência, um ambiente acolhedor e seguro é essencial para o desenvolvimento contínuo dos alunos.

“Com acolhimento, abre-se uma possibilidade maior de desenvolvimento pleno, tanto das habilidades socioemocionais como dos aprendizados acadêmicos. A criança ou adolescente chega ao seu potencial se estiver acolhido. Num ambiente hostil, eles se sentem inseguros, menos validados, e se retraem”, afirma Gustavo Estanislau, psiquiatra especialista em psiquiatria da infância e da adolescência pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre e integrante do Instituto Ame sua Mente. 

Com frequência, os estudantes não vão dizer explicitamente em palavras que não se sentem acolhidos, mas sempre há sinais em caso de problemas. Com crianças pequenas, o mais comum são comportamentos como recusa em ir para a escola e comportamentos mais infantilizados. “A alimentação pode ficar mais complicada, assim como pode passar a apresentar problemas de sono, muitas vezes porque está tensa em saber que terá de ir para a escola na manhã seguinte”, explica o psiquiatra. 

Conforme vão crescendo, uma desmotivação repentina ou queda de rendimento passam a ser indicadores. “Temos também certas falas, como ‘eu sou burro’, ou ‘ninguém gosta de mim’. Se eu não me sinto acolhido, tenho minha autoestima afetada e não me sinto digno de ser gostado por um grupo. A partir daí, eu passo a me isolar”, aponta o médico. Segundo Gustavo, uma criança isolada tem risco acrescido de ser vítima de bullying.

De acordo com os pesquisadores do estudo “A Friend Is a Treasure and May Help You to Face Bullying” (Um amigo é um tesouro e pode ajudar você a enfrentar o bullying, em livre tradução), o bullying é menos frequente entre crianças que têm amigos.

Contudo, nem sempre essa criança ou adolescente isolado é facilmente identificado pelos professores e demais adultos na escola. A própria estrutura escolar dificulta o olhar mais atento. “Nos anos finais do fundamental, muitas vezes ocorre uma mudança de escola. Elas passam de crianças mais velhas da escola, para as mais novas. Junto disso, passam a ter múltiplos professores, especialistas. Esses professores chegam a ter 500 alunos, trabalham em várias escolas, em mais de uma rede. Com 50 minutos de aula, às vezes nem consegue memorizar o nome das crianças”, diz Esmeralda Macana, coordenadora do Observatório Fundação Itaú. 

O Observatório Fundação Itaú, em parceria com o Equidade.Info, fez uma pesquisa sobre o clima escolar, as práticas de racismo e dos conflitos nos estabelecimentos de ensino das redes pública e privada no Brasil. Segundo o estudo, na média geral, 81% dos alunos se sentem acolhidos pela escola. Mas a porcentagem diminui conforme avançam as etapas de ensino.

Nos anos iniciais do fundamental, o índice é de 86%, nos anos finais cai para 77%, e chega a 72% no ensino médio. O levantamento aponta que os alunos negros se sentem menos acolhidos que os brancos (78% entre negros e 84% entre brancos).

Há ainda uma diferença de percepção entre os estudantes e os docentes: 92% dos professores disseram que os alunos se sentem acolhidos na escola, uma diferença de 11 pontos em relação à mesma pergunta para os alunos. 

Foi perguntado também se professores e gestores sabiam lidar com as mudanças que ocorrem na adolescência, como variações no humor ou questões de autoestima. Apenas 64% dos professores e 61% dos gestores concordaram que sabem enfrentar essas questões. Vale observar que 27% dos professores e 28% dos gestores disseram que “não concordam, nem discordam”, indicando dúvidas em relação ao tema.

Papel fundamental da direção

Um relatório de 2021, publicado pela Wallace Foundation, destaca que, entre os fatores intraescolares, o diretor/diretora é o segundo que mais impacta na aprendizagem dos estudantes — atrás apenas do professor. O levantamento também aponta que diretores eficazes orientam sua prática para interações focadas no ensino com os professores, “construindo um clima escolar produtivo, facilitando a colaboração e as comunidades de aprendizado profissional, além de processos estratégicos de gestão de pessoal e recursos.”

A mais recente edição do Relatório Global de Monitoramento da Educação (GEM Report), da Unesco, reforça o papel fundamental da liderança escolar e as principais habilidades e competências referentes à profissão. Clique aqui para conferir a reportagem do Porvir.

Estratégias para melhorar

A discrepância entre a percepção dos alunos e dos adultos da escola significa que muitas vezes o problema pode estar bem ao lado, sem ser notado. Esmeralda defende que o primeiro passo é fazer um diagnóstico em cada unidade escolar. “Os gestores devem fazer um diagnóstico, ouvindo professores e alunos, para só então desenvolver um plano de ação, com todos juntos” sugere. Para ela, é importante que os estudantes participem do desenho da solução, porque numa gestão participativa eles já começam a se sentir incluídos e pertencentes à escola.

Para ser de fato acolhedora, a escola também precisa promover uma educação antirracista, respeitando todos com seus cabelos, cores e culturas, defende Esmeralda. Mas isso só vai acontecer com ações estruturantes. “Não se resolve com um dia de palestra, algo pontual, mas sim com planos pedagógicos, materiais didáticos e boas formações. O professor tem que saber como agir se, por exemplo, ouvir um comentário racista de um aluno para outro”, diz ela. 

A coordenadora do Observatório recomenda ainda que as famílias sejam incluídas em todo o processo, porque fazem parte da comunidade escolar. “Quando se fala em clima de acolhimento, não podemos deixar parte da comunidade de fora. É desafiador, mas é essencial criar estratégias de participação da família – não basta convocar para reunião quando há problema, ou para atividades em horários que os pais trabalham. Mas vale a pena, porque todos vimos durante a pandemia como o envolvimento das famílias dá resultados”, diz Esmeralda. 

Outra linha de ação, defendida por Gustavo Estanislau, é cuidar para que os professores estejam bem emocionalmente. “As pessoas precisam estar se sentindo bem para conseguir acolher. Vejo em relação a mim mesmo: quando não estou bem, quando estou irritado, ou triste, não consigo acolher. Uma escola acolhedora seria uma escola que se importe com a saúde mental do seu educador, que ofereça rodas de conversa, que consiga ajudar os profissionais que se sintam angustiados. Sempre penso na metáfora do avião: primeiro tenho que estar com a máscara de oxigênio no meu rosto para poder ajudar a botar a máscara nos outros”, diz Gustavo.

Boas práticas de proximidade

Em Portugal, desde 1998 um decreto institui que todas as turmas a partir do 5º ano, quando começam as aulas com os docentes especialistas no país, tenham um professor DT (Diretor de Turma). “Em termos gerais, o DT é responsável por coordenar e acompanhar o percurso académico, disciplinar e pessoal dos alunos da sua turma. Ele atua como elo entre a escola, os alunos e as suas famílias, promovendo o bom funcionamento do grupo”, conta Lurdes Neves, docente e pesquisadora do Instituto Superior de Gestão (ISG).

Os DTs têm uma carga horária destinada para exercer as suas funções, e este tempo é usado para reuniões com as famílias, análise do progresso dos alunos, resolução de conflitos e questões administrativas relacionadas à turma. O seu trabalho acaba até por facilitar a gestão da escola. “Podem intervir preventivamente em casos de comportamentos problemáticos, reduzindo o número de situações a serem resolvidas pela direção. Assim, eles são peças-chave para o bom funcionamento da organização interna”, explica Lurdes.

Esses profissionais são peças-chave para a colaboração com os pais. “Para as famílias, o DT é muitas vezes a primeira linha de contato com a escola, o que ajuda a criar um vínculo de confiança e proximidade, especialmente relevante nas idades em que os alunos começam a ganhar maior autonomia”, diz a professora. As famílias costumam se comunicar diretamente com o DT para saberem sobre o desempenho e comportamento de seus filhos, qualquer que seja a disciplina. 

Esse professor especial tem ainda a função de mediar as relações entre os alunos e promover o acolhimento. “Em casos de conflitos, o DT tem a função de facilitar o diálogo e promover a resolução pacífica de problemas, contribuindo para um ambiente de maior acolhimento”, afirma Lurdes.

Gestão acolhedora

No Brasil, o estado do Ceará se inspirou no modelo português e também incluiu a figura do professor diretor de turma em suas escolas de ensino médio. A política PPDT (Projeto Professor Diretor de Turma) teve início em 2008 para escolas de formação profissional, mas acabou se expandindo e, em 2022, foi universalizada para todas as turmas da rede, seja do diurno ou do noturno. Os docentes DT têm três horas semanais destinadas para as funções.

O objetivo é aprimorar o acompanhamento dos alunos em sua rotina escolar e no seu desenvolvimento pessoal. Nesse modelo, um dos professores da base comum é designado para assumir a responsabilidade por uma turma específica, desempenhando também a função de docente. Cabe ao diretor de turma conhecer os estudantes individualmente, para atendê-los em suas necessidades. Ou seja, para acolhê-los e, assim, permitir seu desenvolvimento pleno.

Na dissertação de pós-graduação “Professor diretor de turma: um estudo entre Brasil e Portugal acerca de uma política educativa do estado do Ceará”, Vagna de Brito Lima reflete que “o programa professor diretor é uma política educativa focalizada no aluno, pensando na redução da inadimplência, evasão e abandono e na melhoria dos resultados da aprendizagem.”

A Secretaria de Educação também oferece um ambiente virtual no qual o diretor de turma registra informações sobre a ficha biográfica dos alunos, as características socioeconômicas de suas famílias e seu desempenho acadêmico. Além de acompanhar a evolução curricular, o sistema também monitora o desenvolvimento das habilidades socioemocionais.

“Essa é uma das principais diferenças entre o programa brasileiro e o modelo português”, explica a mestre em educação e professora da rede estadual cearense, Alexsandra dos Santos Barbosa, autora da dissertação “Projeto Professor Diretor de Turma na escola pública: desafios e funcionalidades”.

Em entrevista ao Instituto Claro, Alexandra ressaltou que a cooperação, de fato, retira a sobrecarrega da gestão. “Quando você está em uma classe que não é a sua e percebe algo diferente, pode comunicar diretamente o professor diretor daquela turma e trocar informações.”

Fonte: Portal Porvir - Luciana Alvarez

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