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Comunidades de prática: regras vão além de estar em grupos de WhatsApp

Confira os principais pontos de um relatório que documenta a experiência de gestores de escolas públicas de seis estados com comunidades de prática

Diretores escolares são importantes para a dinâmica educacional por uma série de motivos. Eles influenciam indiretamente o ambiente de sala de aula por meio da gestão de recursos pedagógicos, da construção de metas de aprendizagem, da promoção de um clima escolar positivo e do desenvolvimento profissional da equipe. 

No cenário da educação brasileira, porém, esses profissionais são selecionados sem passar por formação específica para liderança e se veem diante de questões financeiras, administrativas e pedagógicas que exigem tomada de decisão de outra esfera, inclusive para quem já havia atuado como professor.

No último dia da Bett Educar 2024, o Instituto Singularidades e o Instituto Unibanco promoveram o painel “Comunidade de prática no processo formativo de gestores escolares”, que apresentou resultados de uma experiência com uma comunidade de prática denominada Rede de Gestores. A iniciativa contou com a participação de 49 líderes escolares em seis diferentes estados, a partir de parcerias com as redes de ensino estaduais locais.

Bárbara Born, diretora de pós-graduação, extensão e pesquisa no Instituto Singularidades, distinguiu reuniões comuns de educadores com o conceito de comunidades de prática.

As primeiras comunidades de prática surgiram nos anos 1970 e 1980, com uma base teórica sólida que as diferencia por terem uma estrutura específica para a construção e troca de recursos compartilhados entre os membros. Bárbara resgatou a definição de Étienne Charles Wenger, teórico educacional reconhecido principalmente por sua formulação do conceito de “comunidades de prática”. Ele desenvolveu essa teoria em colaboração com a antropóloga Jean Lave, e juntos publicaram o livro “Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation” (“Aprendizagem Situada: Participação Periférica Legítima”, em tradução livre), publicado em 1991. Alguns capítulos do livro estão disponíveis, em inglês, no Google Books.

As comunidades de prática, segundo a abordagem apresentada, são formadas por indivíduos que se juntam para trocas direcionadas, focadas na identificação e resolução de problemas específicos de um domínio. “Estamos falando de grupos de pessoas que estão olhando para um domínio específico e estão preocupadas em mapear problemas da prática, em resolver problemas na prática.”

Baseado em estudos de pesquisadores como Pam Grossman, Ann Lieberman, Lyn Miller e Judith Little, a nota técnica feita em parceria entre o Instituto Singularidades e o Instituto Unibanco, identificou elementos-chave para o sucesso das comunidades de prática em contextos educacionais. Esses elementos incluem:

1. Criação de espaços e rotinas: estabelecer um espaço estruturado e rotinas de pensamento que permitam aos profissionais refletir pedagogicamente sobre suas experiências diárias.

2. Uso frequente e deliberado de artefatos da prática: para centralizar discussões nas questões práticas, deve-se utilizar artefatos que ajudem na análise mais profunda dos problemas enfrentados pelo grupo.

3. Uso abundante de situações exemplificativas: apresentar casos e desafios específicos de outros contextos ajuda a aproximar os integrantes da comunidade das questões práticas e a desenvolver soluções para seus próprios problemas.

4. Conexões com fontes de assistência externas: embora o foco seja o aprendizado por meio de interações profissionais, é fundamental incorporar fontes externas, como leituras e especialistas, para enriquecer o repertório coletivo e atender as necessidades do grupo.

Para que essa dinâmica funcione de maneira adequada, segundo Bárbara, as atividades não podem estar “soltas no tempo”. O comprometimento de educadores exige rotina e espaços específicos para que seus participantes possam exercitar a análise crítica.

Em um hipotético exemplo de absenteísmo docente em uma escola, a representante do Singularidades explica que é importante não apenas olhar para o livro ponto da escola, como também perguntar-se quem são esses professores, e a partir desse momento se debruçar sobre aquilo que traz a evidência da prática. 

“São trazidas muitas situações para demonstrar como a prática se dá dentro da escola, para que o grupo possa se apoiar e construir conhecimento e, quando necessário, buscar assistência externa.”

Importância das conexões

Jane Reolo, especialista em políticas públicas do Instituto Unibanco, trouxe ao debate exemplos de uso de sua experiência como professora de história, e posteriormente gestora de escola da rede municipal de São Paulo.

Por se tratar de uma jornada repleta de desafios burocráticos, administrativos, financeiros e pedagógicos, Jane destaca a complexidade e a importância da formação adequada para diretores de escolas, para que tenham consciência da profundidade do papel que desempenham.

“Fui diretora e professora de história por 18 anos. Eu era aquela professora que infernizava os diretores”, contou. Uma vez do outro lado da mesa, logo percebeu como as questões do dia a dia envolviam tomada rápida de decisão sobre questões urgentes e sensibilidade para resolver conflitos. 

E a lista de processos, segundo Jane, não para por aí. Escolas públicas necessitam um olhar para a infraestrutura para que professores e estudantes possam desfrutar de um ambiente acolhedor. “Tem muitas coisas, muita violência e todo tipo de carência. Toda a estrutura física precisa da pedagogia relacional pessoal que envolve o seu diretor de escola.” 

Na sequência à fala de Jane, Arthus Bustamante, coordenador e pesquisador da diretoria de pós-graduação do Instituto Singularidades, detalhou como foi o processo de construção coletiva com os 49 diretores. 

Entre outros destaques, Arthus explicou que a aprendizagem via comunidade de prática traz benefícios palpáveis, uma vez que o diretor escolar aprende e se desenvolve em um ambiente colaborativo, no qual a troca de experiências entre pares é fundamental.

Também foi destacado que influência e motivação têm grande importância nesse processo. Isso significa que os diretores são influenciados por admiração e motivação intrínseca, não necessariamente por recompensas externas, destacando a importância das relações interpessoais na aprendizagem.

Olhar socioemocional

Outro ponto importante diz respeito à saúde mental. As emoções desempenham um papel de destaque na aprendizagem, porque ao longo de suas rotinas os gestores escolares experimentam uma diversidade de sentimentos que impactam seu envolvimento e retenção de conhecimento.

Igualmente importante é a formação via comunidades de prática, que garante redes de suporte, nas quais os diretores podem discutir e refletir sobre suas práticas profissionais de forma contínua.

O programa foi realizado por meio de seminários e encontros síncronos, sempre com o objetivo de permitir com que esses diretores acessem conhecimentos especializados, debatam e tenham contato com pesquisas recentes a respeito do universo de quem comanda a gestão escolar, com o convite para que adaptem teorias e práticas a suas escolas.

Jane também reforçou um aspecto importante que faz parte das bases da atuação dentro de comunidades de práticas, uma dedicação consistente para registro das principais ações. 

“Isso nos permite visualizar as camadas necessárias de aprendizado e as áreas que precisam de reforço. Registrar o que fazemos não é um exercício simples. Trabalhar em colaboração com grupos também apresenta seus desafios”, disse. 

Apesar disso, Jane defende cuidado e atenção para essa postura porque, no final das contas, toda a comunidade ganha. “A rede de gestores oferece uma oportunidade valiosa para aprender com colegas e documentar nossas práticas efetivamente.”

Fonte: Portal Porvir - Vinícius de Oliveira

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