Fortalecer ensino de matemática é caminho para educação financeira, diz economista
Naércio Menezes, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, comenta os resultados da avaliação internacional Pisa, que revela mais de 45% de estudantes brasileiros sem conhecimentos básicos de finanças
A educação financeira é reconhecida globalmente como uma habilidade essencial para a vida. Mas os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) sobre letramento financeiro, divulgados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na última semana, revelam que os alunos brasileiros ainda precisam de bastante apoio para desenvolvê-la.
Cerca de 98 mil estudantes de 15 anos, de 20 países participantes, fizeram a avaliação. O Brasil está em 18º lugar, com 416 pontos – 82 pontos abaixo da média da OCDE, com desempenho parecido ao da Costa Rica e da Arábia Saudita.
Em linhas gerais, 46,7% dos estudantes brasileiros têm conhecimento inferior ao considerado adequado neste tema. Isso significa dificuldades em realizar tarefas como calcular juros ou interpretar faturas de cartão, por exemplo.
A despeito da posição ruim, o país registra leve avanço em relação ao levantamento de 2015, quando ficou em último lugar na lista, com 53,3% dos adolescentes com conhecimento abaixo do nível adequado.
Como avaliar os resultados?
“Educação financeira é garantir que os estudantes tenham conhecimento dos conceitos e riscos financeiros, bem como garantir que eles tenham competência para aplicar essa compreensão na tomada de decisões”, define o relatório.
O documento ressalta que muitos adolescentes de 15 anos já são consumidores de serviços financeiros e que, provavelmente, enfrentarão uma crescente complexidade e riscos no mercado financeiro à medida que entram na vida adulta.
Para explicar o impacto da pesquisa e sugerir possíveis caminhos para as escolas brasileiras, o Porvir ouviu o economista Naércio Menezes, professor associado da USP (Universidade de São Paulo) e professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper. Ele explica que a dificuldade de aprender e ensinar matemática é o grande motivo para os resultados insatisfatórios.
“Os alunos brasileiros têm pouco conhecimento de matemática financeira ou de educação financeira em comparação com os demais países da amostra porque têm pouco aprendizado de matemática em geral”, diz.
“Nossos alunos têm bastante dificuldade para aprender matemática. Basta ver as taxas de aprendizagem muito baixas entre o quinto ano do ensino fundamental e o terceiro ano do ensino médio”, exemplifica o economista.
Em todas as edições do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 1990 até 2021, a matemática apresenta o menor índice de alunos com aprendizado adequado em comparação à língua portuguesa em todas as etapas avaliadas (5º e 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio). Em 2021, por exemplo, no 3º ano do ensino médio, o percentual de estudantes da rede pública com aprendizado adequado em matemática foi de apenas 5%, como mostra o estudo O ensino da matemática no Brasil, realizado em novembro de 2023 pelo IEDE (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
Ainda em relação aos dados acima, Naércio aponta outro desafio enfrentado pela disciplina: a matemática é aprendida na escola, ao passo que a leitura pode ser desenvolvida em casa, com o apoio dos livros.
“Nossas escolas têm dificuldades em acrescentar aprendizados para os alunos, e a matemática sofre mais. Sem uma base de matemática para resolver divisão, porcentagem e outros aspectos, os alunos não conseguem entender os fundamentos da educação financeira. Acredito que é preciso ter uma base de matemática muito boa, algo que está faltando nas escolas públicas brasileiras, para depois desenvolver os conceitos de finanças básicas para o dia a dia”, aponta.
Apoio para os professores
Para reverter esse quadro, o economista acredita que é necessário atuar na base dos aprendizados. Ou seja, fortalecer o ensino da matemática básica, antes de desenvolver conceitos de educação financeira e assuntos de finanças do dia a dia.
Naércio acrescenta que preparar os docentes para o ensino da educação financeira, com formação continuada, é igualmente importante para impactar diretamente os conhecimentos dos adolescentes. Contudo, a visão dele é de que sem aperfeiçoar o que é ensinado em termos básicos da matemática, o lado financeiro será ainda mais difícil.
Mas algo pode – e deve – começar a ser feito. Apresentar tais conceitos de maneira transversal pode ajudar no engajamento dos alunos. Em vez de um componente específico, inserir o assunto de maneira mais aplicada e menos teórica tem boas chances de funcionar bem, alerta o economista.
“Vale inserir tarefas práticas no dia a dia do estudante. Alguns exemplos: quanto vai render o dinheiro na poupança ou tesouro direto? Como tomar conta do seu orçamento, levando em conta as despesas e as receitas do aluno? Se ele comprar um tênis, quanto paga de juros caso pague a prazo? É preciso trazer questões que se reflitam no dia a dia do jovem, para que ele possa entender e enxergar a utilidade do que está sendo proposto.”
Estratégias de ensino
Todos os países participantes da avaliação Pisa começaram a introduzir tópicos de educação financeira no currículo escolar ou desenvolveram atividades extracurriculares de educação financeira nas escolas. Quinze deles contam com estratégias nacionais para a educação financeira, entre eles o Brasil.
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) prevê o ensino sobre economia e finanças básicas no ensino fundamental. “Cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora”, explicou Ronaldo Silva, chefe-adjunto do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central, em recente reportagem do Porvir.
Há, ainda, iniciativas de formação e suporte ao currículo para professores e estudantes, como o Programa Educação Financeira na Escola, realizado em parceria com a CMV (Comissão Mobiliária de Valores), o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o MEC (Ministério da Educação).
Outro projeto de apoio à escola é o Aprender Valor, desenvolvido pelo Banco Central e com foco em professores, redes de ensino e alunos do ensino fundamental. Destacado como exemplo positivo no relatório da OCDE, o Aprender Valor oferece um quadro de competências financeiras para a educação básica e secundária, além de recursos didáticos prontos para uso, a fim de inserir educação financeira em disciplinas obrigatórias, como matemática, língua portuguesa e ciências humanas.
Recomendações gerais
Os resultados do Pisa mostram que os estudantes aprendem sobre questões financeiras de diversas maneiras: com seus pais, familiares e amigos, na escola e por meio de suas experiências com dinheiro e produtos financeiros.
A fim de diminuir as desigualdades e proporcionar oportunidades a todos os alunos, o relatório sugere o uso de abordagens complementares que podem ser observadas pelas escolas:
- Atender às necessidades dos alunos com baixo desempenho, para ajudá-los a participar da vida econômica quando se tornarem adultos.
- Abordar as desigualdades socioeconômicas nas habilidades e comportamentos financeiros o mais cedo possível, para evitar que se acumulem à medida que os alunos envelhecem.
- Focar no ambiente onde vivem os estudantes, incluindo pais e colegas, para aproveitar seu papel e influência sobre os comportamentos e atitudes financeiras dos alunos.
- Oferecer oportunidades para adquirir educação financeira na escola a todos os alunos, independentemente de sua origem socioeconômica.
- Garantir que as oportunidades de aprendizado por meio do acesso e uso de serviços financeiros sejam seguras e adequadas à idade.
- Fortalecer as atitudes financeiras dos alunos além de seus conhecimentos e habilidades, para fomentar o interesse em questões financeiras.
Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira / Ana Luísa D'Maschio