Futuro da escola depende de identificação e promoção de talentos internos à gestão
Ninguém dorme professor e acorda gestor escolar. A progressão de carreira depende de incentivos como formação, apoio de lideranças mais experientes e convívio com outros gestores
Ocupar um cargo de gestão nas escolas é uma tarefa cada vez mais complexa. Das questões relacionadas à harmonia entre as equipes ao desenvolvimento acadêmico de diferentes turmas, a cesta de atribuições de quem coordena ou dirige uma escola está sempre cheia. E como estar preparado e ter confiança para desempenhar um bom papel nessa função?
Parte da resposta está na preparação. Contudo, muitos profissionais da educação chegam ao cargo de liderança sem ter passado por formações que ao menos trouxessem pistas sobre os desafios dessa ocupação, distintos dos encontrados na sala de aula.
É preciso ter habilidades específicas para estar em um cargo de liderança. Solange Giardino, consultora educacional e mestre em Educação, afirma que a escola atualmente ficou encarregada dessa missão de desenvolver os educadores, de forma que eles se tornem aptos a progredir na carreira.
“A universidade continua sem fazer uma entrega mais substanciosa e adequada às demandas do século 21. Quando a escola contrata o professor, principalmente se for mais jovem, ela assume uma responsabilidade muito grande até no que diz respeito à didática e à condução da sala de aula”, diz.
A ampliação das demandas de um gestor, aponta Solange, ganha um peso ainda maior quando se observam as fragilidades encontradas nas licenciaturas. A consultora destaca que, para um bom desenvolvimento de lideranças, o trabalho contínuo de formação e realização de reuniões pedagógicas focadas na prática docente são essenciais. “Muitas escolas usam esse tempo para passar recados que poderiam ser um e-mail”, afirma.
Olhar observador é fundamental
Alguns profissionais se reconhecem como líderes, outros precisam ser incentivados a desenvolver essas características. Solange pontua que nem todos os professores têm perfil para a gestão escolar, mas é importante que aqueles que o têm sejam incentivados e apoiados em seu desenvolvimento.
“Todos nós já tivemos na nossa vida exemplos de pessoas que foram muito importantes para nossa carreira, alguém ali no dia a dia de trabalho que conseguiu perceber uma qualidade nossa”, ressalta Airam Corrêa, economista e sócio da Wisnet Consultoria, especializada em gestão de pessoas.
Ele destaca que “essa atenção frente ao corpo docente – de buscar o que é o melhor de cada pessoa, para cada situação – é um dos grandes potenciais de melhoria na estrutura de educação”. Airam avalia que talentos são diversos em qualquer grupo, e identificá-los pode permitir à gestão pensar em jornadas específicas para cada um.
Filomena Siqueira, professora na Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do IEA – RP/USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto), em recente entrevista ao Porvir, comentou que a trajetória de boa parte docentes em direção à gestão escolar acontece sem que haja muito planejamento.
“O problema é quando a pessoa não tem condições ou domínio nenhum do assunto. Isso cai de paraquedas e ela atende essa demanda, mas no dia a dia não há nenhum preparo e tem sempre que ir de improviso, descobrindo as coisas conforme vão acontecendo. Essa estrutura é mais problemática”, disse.
Filomena produziu o documentário “Liderança Escolar em Contextos Adversos”. Leia mais aqui.
Papel institucional
Airam acredita que a instituição tem papel fundamental não só na tarefa de identificar essas pessoas, como também preparar um ambiente propício para o desenvolvimento delas, com foco no futuro da escola ou rede educacional.
“Se você não abre essas jornadas, está comprometendo às vezes a longevidade daquela empresa”, comenta. Ele exemplifica que ao não pensar nessa progressão, o que pode ocorrer é a renovação de todo o corpo de funcionários em períodos distintos, e muitas vezes essas novas pessoas não estão envolvidas com a cultura local ou não conhecem o histórico dos projetos desenvolvidos.
Solange segue a mesma linha de raciocínio. A educadora recorda que já esteve em várias escolas que, após identificarem determinadas habilidades de liderança nos educadores, planejaram uma jornada gradativa ao posto de gestão.
“Se eu trago um professor da sala de aula direto para gestão, ele ainda está muito preso àquele ambiente e não vai conseguir ser gestor dos seus”, pontua. Ela destaca que ter um bom relacionamento é fundamental – inclusive para o sucesso da escolha desse novo gestor –, mas é preciso ter certo distanciamento. “É ele quem vai ter que chamar a atenção e cobrar prazos dos colegas”.
Caminho gradativo para a promoção
Após a identificação, algumas escolas já investem em formação voltada para o cargo de gestão, conta Solange. Ela traz o exemplo de professores que, após serem escolhidos, começaram a ter uma compartilhada com gestores para entender as dinâmicas específicas dessa nova função. “Muitas vezes, a escola ainda não tem um cargo disponível, mas deseja preparar os docentes, já que muitos colegas se aposentam ou podem mudar de escola”, afirma.
Isso reflete na longevidade e no futuro da instituição, citados por Airam. Solange também exemplifica que o professor pode iniciar essa trajetória como orientador educacional, depois coordenador de um segmento, vice-diretor e assim por diante.
Outra sugestão oferecida pela consultora consiste em empoderar os professores mais experientes, designando-os como mentores dos recém-chegados. “Geralmente, o professor mentor é alguém que já está em nosso radar para ascender à gestão”, aponta. As atribuições desse professor mentor podem variar, abrangendo questões simples, como obter autorização para o estacionamento ou localizar a cantina, até tarefas mais complexas, como compreender as plataformas adotadas pela escola e as expectativas quanto à sua organização e demais aspectos.
E a relação com os outros colegas?
Promover pessoas a cargos de liderança requer também uma preparação. Airam reflete que um reconhecimento mal comunicado pode se tornar um problema em um grupo. É por isso que a transparência é um elemento essencial para evitar que alguns se sintam desprestigiados ou que o processo cause uma crise de ciúmes que, no fim, pode prejudicar a harmonia entre as equipes e o clima escolar
Outro ponto central dessa transparência, de acordo com o economista, é deixar claros os critérios para tal promoção. Isso possibilita que todos entendam os caminhos trilhados até a tomada de decisão.
Solange destaca que nas escolas, geralmente, quando alguém é promovido para um novo cargo, essa pessoa conta com a aceitação de seus pares, pois compartilhou experiências comuns e está ciente dos desafios da sala de aula.
“Nunca passei por uma situação em que alguém foi escolhido e o restante não gostou. Essa pessoa não seria escolhida, entende? Mesmo que de forma subliminar, quem for escolhido já está validado pelo grupo”, diz a consultora.
Rede pública: como secretarias de educação podem promover a formação de líderes
Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira