Por que a gestão escolar deve apoiar o uso de laboratórios e espaços de criatividade
Coordenador do ensino fundamental 2 da Escola Eleva, Carlos Toledo debate como os gestores, de escolas públicas ou privadas, podem fomentar um verdadeiro pensamento científico
No Brasil, ainda predominam o currículo e as aulas de ciências presas a aulas expositivas e reprodução de exercícios. Embora os conceitos de pensamento científico e letramento científico estejam presentes na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), há um grande abismo entre este documento e realidade das salas de aula, dos materiais didáticos e das avaliações externas. Além disso, parece que existe uma trincheira no qual professores de ciências se protegem nos conteúdos e nos modelos tradicionais.
A não é uma solução fácil, pois passa por pela revisão da formação de professores e das políticas públicas de implementação e avaliação. Como gestores de escolas públicas ou privadas, podemos fomentar o verdadeiro pensamento científico. Os diretores escolares, coordenadores e diretores devem priorizar a reversão desse cenário, considerando os laboratórios e espaços criativos como elementos centrais nessa mudança. Pensar em como incorporá-los é um diferencial para a aprendizagem dos alunos e o resultado das escolas.
Independentemente do tamanho, localização ou nível de estrutura da escola, todo gestor deve se preocupar com o espaço de aprendizagem das ciências e das tecnologias. Onde seus alunos estão aprendendo ciências e tecnologia? Esse aprendizado se limita a quadro, giz/caneta e livro didático?
As aulas nessa área requerem um espaço especialmente planejado, integrado ao currículo e às avaliações, pois de nada adianta ter um laboratório se as avaliações se concentram apenas na memorização, ou ter uma sala repleta de experimentos que não são utilizados.
Na minha experiência como gestor, implementei uma estrutura de laboratórios em uma escola de grande porte que estava sendo fundada. Sete anos depois, observo um avanço significativo na aprendizagem científico-tecnológica dos alunos, que agora compreendem o pensamento científico, não apenas os conteúdos acadêmicos.
Investir em bons espaços e em laboratórios pode proporcionar às escolas brasileiras alcançar as metas do Projeto 2061 (ano que faz referência à próxima passagem do Cometa Halley perto da Terra). Idealizado pelo pesquisador americano George Nelson e patrocinado pela AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), este projeto de reforma curricular do ensino de ciências nos EUA, existente desde 1985, visa a elaborar modelos curriculares futuros, com ênfase no pensamento crítico.
Por onde começar um projeto de laboratório escolar?
O primeiro passo para a implementação desses espaços é a visão de longo prazo do gestor. Quais são nossos objetivos e como queremos utilizar esse espaço? Qual nossa visão de futuro? Quais os objetivos da escola?
Minha visão, compartilhada com a comunidade escolar, focava em aulas de ciências e tecnologia práticas, mantendo também o método tradicional. Isso é possível!
Após identificar a visão da comunidade e gestão, devemos colocar “no papel” o projeto. Deve-se considerar o orçamento disponível e os espaços possíveis dentro da escola para a criação desse ambiente.
É possível criar um ambiente propício ao pensamento científico de diversas maneiras. Em escolas com orçamentos mais robustos, pode-se investir em experimentos importados, impressoras 3D, cortadoras e sensores. Por outro lado, com recursos mais limitados, o foco deve ser na otimização do espaço e na sua efetiva conexão com o currículo. Esse é o ponto principal: já vi escolas com laboratórios caríssimos e que não são subutilizados.
Com o planejamento do laboratório concluído, é essencial estabelecer uma conexão entre este ambiente, as aulas e as avaliações. Professores de ciências e gestores educacionais devem revisitar o currículo e as metodologias de avaliação, definindo como as aulas serão realizadas, sua periodicidade e a integração com as avaliações.
Na minha experiência, o objetivo foi realizar a maioria das aulas nesse espaço, tanto teóricas quanto experimentais, no laboratório. Isso significa que, independentemente do tipo de aula, o espaço dedicado às ciências deve ser utilizado. Entendo que essa seja uma realidade mais difícil, mas o passo mais importante é pensar em cada elemento do currículo. Qual a parte experimental/prática que teremos? O que será base teórica?
Além disso, é importante conceber o espaço de pensamento científico não apenas como um local para demonstrações de experimentos. A ideia do laboratório como “receita de bolo”, em que você recebe um passo a passo de atividade predefinida, ou de ciência como show, no qual “mágicas científicas” acontecem, deve ser deixado de lado. As ciências são feitas mais de erros do que de sucessos, mesmo que a história somente conte os fatos dos “vencedores”.
Portanto, o laboratório deve ser um local onde os alunos planejam, testam e aprendam com os erros. Não existe aprendizado mais significativo do que aquele proporcionado por experimentos que não funcionam como esperado, ou pela necessidade de planejar experiências inovadoras. O currículo deve ser estruturado com foco nesses aspectos, considerando os momentos do ano letivo em que os alunos são incentivados a elaborar seus próprios experimentos, formular novas perguntas e buscar resultados.
Colhendo resultados com laboratório
No modelo que liderei, o ápice do processo de aprendizagem ocorreu durante a Feira de Ciências (STEAM Fair). Focada no fundamental 2 e ensino médio. Este evento representava o momento final de apresentação dos resultados experimentais. O processo começava com um tema geral proposto pela equipe de professores. Em seguida, os alunos elaboravam perguntas e hipóteses, testadas e respondidas por meio de experimentos. Diferentemente das feiras de ciências tradicionais, essa não se tratava de um palco para demonstrações de experimentos conhecidos, mas sim de uma oportunidade para os alunos apresentarem os resultados de experimentos que eles próprios desenvolveram do início ao fim.
Durante um bimestre, os espaços criativos foram intensamente utilizados. Trabalhando em grupos, os alunos conduziram seus experimentos e coletaram dados, enfrentando os desafios de uma pesquisa científica real, o que se mostrou uma experiência profundamente enriquecedora.
Conheça exemplos que podem inspirar sua escola
– Durante a Feira de Ciências (STEAM Fair) de 2022, com a temática Mito, um grupo buscou investigar se comer melancia melhora a digestão. Para isso, eles buscaram ácidos próximos aos ácidos estomacais e simularam, em um béquer, o “ambiente do estômago”. No primeiro, eles colocaram alimentos somente com o ácido. No segundo, o mesmo alimento e mais suco de melancia. Depois de muita dificuldade no processo, o grupo não observou diferença significativa para afirmar se a melancia melhorava ou não a digestão.
– No mesmo ano, ainda no tema Mito, outro grupo queria verificar se era verdade que as moscas somente viviam por 24 horas. Para isso, eles capturaram moscas com armadilhas feitas por eles, conseguiram fazer a reprodução das moscas e acompanharam o desenvolvimento desde o “nascimento” até o final da vida adulta. A conclusão foi que, para as moscas comuns da cidade, esse mito era falso.
– Em 2023, um grupo buscou analisar o crescimento de verduras com diferentes cores de luz. Eles cultivaram brotos de alface utilizando (1) luz solar; (2) luz branca artificial – led; (3) luz verde – led; (4) luz vermelha – led; (5) luz azul – led; e (6) luz ultravioleta de lâmpada de luz “negra”. O resultado foi uma diferença entre os crescimentos, em ordem do maior para o menor, luz solar, luz branca artificial, luz vermelha, luz azul, luz verde e luz ultravioleta.
Esse é o ponto fundamental da união entre currículo, avaliação e o espaço. O laboratório não é apenas um local, mas sim o cenário onde parte significativa do currículo é vivenciada, com o aluno no centro do processo de aprendizagem e avaliação.
Como gestores educacionais, é nossa responsabilidade focar em soluções de longo prazo e superar barreiras imediatas. Priorizar o desenvolvimento efetivo do pensamento científico é essencial em todas as escolas, públicas ou privadas. Resta aos tomadores de decisão alinhar-se a esse objetivo ou encontrar desculpas para se apegar às abordagens tradicionais. Em qualquer contexto, é viável desenvolver um pensamento científico robusto.
Carlos Eduardo Rosas de Toledo - Doutor e mestre em Educação; certificado em Gestão Escolar e Liderança pela Harvard; Líder Escolar Internacional pelo Principals' Training Center; MBA em Gestão Empresarial; pós-graduado em Administração Escolar, Orientação Educacional e Supervisão Pedagógica; licenciado em Física. Atualmente, coordena o ensino fundamental 2 da Escola Eleva e atua como consultor educacional nas áreas de Gestão, Formação de Professores e Currículo.
Fonte: Portal Porvir - Carlos Eduardo Rosas de Toledo