Por que o Plano Nacional de Educação cumpriu apenas 20% de suas metas?
Dez anos e seis meses depois de sua aprovação, o Brasil viu pouquíssimos avanços no plano mais ambicioso deste século para melhorar a qualidade da educação no país. O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014 pelo governo federal com promessas de revolucionar o setor, hoje não passa de um conjunto de promessas vazias e um retrato da ineficiência das políticas públicas e da falta de compromisso de quem as executa. O que era para ser um marco histórico na luta por uma educação melhor para todos, hoje deixa muito a desejar e segue sem ter o que comemorar neste ano em que completa uma década de implementação.
No papel, o Brasil possui um grande arcabouço legal que visa garantir o direito à educação ampla e irrestrita. Seus dois principais exemplos são a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Mas na prática, essas leis se transformaram em letras mortas, sem a efetiva realização das medidas necessárias para garantir o cumprimento das leis.
Em 2014, o PNE foi criado com 20 metas detalhadas, destinadas a democratizar o acesso à educação, melhorar a qualidade do ensino e fortalecer a infraestrutura educacional do país. No entanto, hoje o panorama é desolador: apenas quatro destes 20 objetivos foram cumpridas integralmente. Os demais se encontram em atraso significativo. E alguns deles até mesmo em retrocesso. Ou seja: o que foi determinado não só não foi feito, como foi piorado.
No site do PNE, mantido pelo Ministério da Educação, é possível conhecer mais detalhes de cada uma das 20 metas do plano: em sua maioria, promessas vazias.
Além disso, o PNE também determinou que o país investisse 10% do PIB em educação até, justamente, este ano de 2024. Há dez anos, portanto, o Brasil assinou a decisão de encarar o desafio de alcançar uma meta crucial para o desenvolvimento social e econômico do país. Porém, segundo o último relatório de monitoramento da lei, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2023, o investimento brasileiro em educação pública chega hoje a apenas 5,5% do PIB. Não estamos cumprindo a lei que estabelecemos.
As razões
O descumprimento das metas do PNE expõe os desafios estruturais que impedem o avanço da educação brasileira. A falta de investimento adequado, a má gestão dos recursos públicos, a desvalorização da profissão docente, as desigualdades sociais e a corrupção são apenas alguns dos obstáculos que precisam ser superados para que o PNE um dia se torne realidade.
O sistema de financiamento da educação no Brasil é desigual, com as escolas públicas dos estados mais pobres recebendo menos recursos per capita do que as escolas dos estados mais ricos. Essa desigualdade no financiamento, aliada à má gestão dos recursos públicos destinados à educação, contribui para a perpetuação das desigualdades educacionais.
A profissão docente no Brasil segue sendo desvalorizada, com baixos salários, falta de oportunidades de formação continuada e condições de trabalho precárias. Essa despriorização impacta diretamente na qualidade do ensino, desmotivando os profissionais da educação e dificultando a atração e retenção de talentos qualificados. Estima-se que, já em 2040, o Brasil viverá um "apagão de professores", causado por um desinteresse crescente das novas gerações pelo exercício da profissão.
E o problema certamente será ainda mais grave nas áreas menos favorecidas economicamente. O cenário atual já indica isso. Hoje, por exemplo, temos salários maiores na região Sudeste, se comparados a outras regiões do país. Mas este "maior" não é nada alto. Segundo dados da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, em 2024 a média salarial mensal de um professor do Ensino Fundamental I (antigo primário) na rede municipal de ensino é de apenas R$ 2.840,80. E o de um professor do Ensino Fundamental II (antigo ginásio) é de R$ 3.563,51, ambos com uma carga horária média de 22 horas e meia semanais.
No Ensino Médio, sob responsabilidade dos governos estaduais, a penúria é ainda mais preocupante e generalizada. O professor, na maioria dos estados do país, inicia sua carreira com o salário de R$ 1.499,90 para uma carga horária de 18 horas semanais. É importante destacar que esses valores variam de acordo com o estado, município, instituição de ensino, disciplina ofertada e tempo de serviço do professor. Mas os valores são evidentemente muito baixos para uma profissão tão fundamental para o desenvolvimento de um país como a de professor.
Diante desse quadro, para garantir um sustento digno os professores se veem obrigados a acumular cargos, muitas vezes deslocando-se diariamente entre diferentes escolas, assumindo jornadas de trabalho extensas e sacrificantes. Essa realidade, além de comprometer sua qualidade de vida, também impacta negativamente o tempo dedicado à preparação das aulas e ao acompanhamento individual dos alunos.
Longo histórico de descumprimentos
A desvalorização salarial dos professores é um dos principais desafios da educação brasileira desde muito antes da instituição do PNE. E a cada ano que passa, este cenário exige novas e mais urgentes medidas para garantir a dignidade da profissão e uma qualidade mínima de ensino para todos. Mas não é o que acontece.
Em 2024, uma outra lei importante e mal cumprida —a do Piso Salarial dos Professores (Lei 11.738/2008)— completa 16 anos de promulgação sem ser cumprida completamente. Ela estabeleceu um valor mínimo mensal, com o objetivo de garantir condições dignas de trabalho e incentivar a profissionalização da carreira. O valor do piso deve ser reajustado anualmente, e em 2024, está oficialmente fixado em R$ 4.580,57 para jornadas de 40 horas semanais.
Porém, após mais de uma década e meia, a luta pelo cumprimento integral desta lei ainda é árdua e enfrenta desafios consideráveis. O cenário real para muitos professores é de descaso e inadimplência por parte dos governos municipais e estaduais. Segundo dados do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), em 2023 cerca de 20% dos municípios brasileiros não pagavam o piso salarial integralmente aos seus professores. Mais de mil cidades.
Desafios históricos e novas urgências
Os dados acima são apenas um dos aspectos da crise permanente da educação pública brasileira. Seus desafios históricos precisam ser superados o quanto antes para que o país possa ter um dia a prosperidade econômica e social que todos almejam. Para isso, é necessário um compromisso político firme com o investimento em infraestrutura e a valorização dos professores. E isso é só o começo: para se adequar à realidade dos tempos atuais, é urgente também a atualização do currículo escolar e o combate às desigualdades no acesso ao ensino, entre outras políticas públicas.
Mas a realidade hoje mal permite sonhar com isso. Principalmente nos territórios de periferia, as escolas públicas brasileiras enfrentam problemas básicos de infraestrutura, com a falta de salas de aula adequadas, inexistência de laboratórios, bibliotecas, quadras de esporte ou espaços de criatividade. O currículo escolar é desatualizado e pouco conectado às demandas do mercado de trabalho e da sociedade contemporânea. Essa falta de aderência à realidade limita as oportunidades no desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para o sucesso profissional e pessoal dos jovens estudantes.
Exemplos de fora
Os exemplos recentes da Coreia do Sul, Singapura, Estônia, Vietnã e Finlândia demonstram que o investimento em educação de qualidade é uma estratégia fundamental para o crescimento e desenvolvimento econômico e social. Ao apostar na educação, esses países obtiveram sucesso. Infelizmente, a cultura de exploração e desigualdade oriunda dos tempos de escravização ainda entranhada em parte da nossa elite empresarial e política não nos permite evoluir significativamente nessa área.
E com isso, o atraso só aumenta. O "milagre educacional" da Coreia do Sul, por exemplo, não surgiu da noite para o dia. Foi um processo gradual, iniciado nas décadas de 1960 e 1970, impulsionado por um forte desejo de desenvolvimento e modernização após a Guerra da Coreia. O governo sul-coreano investe pesadamente na infraestrutura das escolas, garantindo ambientes de aprendizagem modernos e bem equipados. Além disso, a tecnologia é utilizada de forma estratégica para promover a inovação no ensino e facilitar o acesso à informação.
O sucesso do Vietnã em educação também é resultado de um processo gradual e consistente de reformas e investimentos, iniciado após a reunificação do país em 1975. O currículo escolar vietnamita dá grande ênfase ao ensino de matemática e ciências, áreas consideradas essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Os alunos são incentivados a desenvolver habilidades de raciocínio lógico, pensamento crítico e resolução de problemas.
Já o investimento em educação de qualidade em Singapura teve início na década de 1960, logo após a independência do país. O governo adotou uma série de medidas para fortalecer o sistema educacional, como a expansão do acesso à educação básica, a melhoria da qualidade da formação de professores e a implementação de um currículo focado em habilidades essenciais.
Na Estônia, a evolução da educação iniciou-se após a independência do país da União Soviética em 1991. Hoje, é um dos países mais digitalizados do mundo. A tecnologia é utilizada de forma estratégica para promover a aprendizagem, facilitar o acesso à informação e preparar os alunos para um mundo cada vez mais digitalizado.
A Finlândia, frequentemente apontada como referência global em educação, ostenta um sistema educacional que se destaca por seus resultados consistentemente altos em avaliações internacionais, como o PISA, e por um ambiente de aprendizagem que prioriza o bem-estar e o desenvolvimento integral dos estudantes.
O sistema educacional finlandês prioriza a aprendizagem ativa e contextualizada, focando na resolução de problemas e no desenvolvimento de habilidades essenciais para o século 21. Ao invés de memorização mecânica, os estudantes são incentivados a explorar temas relevantes do mundo real, através de projetos interdisciplinares e atividades práticas, promovendo uma aprendizagem mais profunda e significativa.
Não apenas quanto, mas como
Interessante notar também que, em termos de percentagem do PIB, o investimento em educação dos países citados acima é similar ao do Brasil. E qual a razão então para tanta diferença? Justamente o cumprimento correto da legislação. Finlândia, Singapura, Coreia do Sul, Vietnã e Estônia possuem e cumprem programas de formação de professores rigorosos e de alta qualidade; usam os recursos destinados à educação de forma eficiente e eficaz; e praticam políticas públicas eficazes para garantir um sistema educacional inclusivo e de qualidade.
E o que Brasil deve fazer para um dia chegar lá? Precisa de uma transformação profunda e urgente na infraestrutura das escolas, na formação de professores qualificados, na implementação de pedagogias inovadoras e na autonomia das instituições de ensino. Além disso, é fundamental no nosso país combater as desigualdades sociais, garantindo que todos os estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade. O futuro do Brasil depende de uma educação que seja capaz de formar cidadãos críticos, criativos e preparados para os desafios do século 21.
Desigualdade histórica e permanente
Porém, a maioria das elites políticas, apesar de sempre serem eleitas com promessas de investimentos na Educação pública, não conseguem ou não querem enxergar a relevância da questão para o desenvolvimento do país. Historicamente, pertencem a classes abastadas que se beneficiam de um sistema educacional elitista e desigual. Essa experiência molda sua visão sobre a educação, levando-os a priorizar o ensino privado e de alta qualidade para poucos, e negligenciar a importância da educação pública para todos, perpetuando assim um sistema educacional precário e desigual.
Neste contexto, vale notar que parte considerável das elites políticas não compreendem ainda que a inexistência de uma educação de qualidade não prejudica apenas as classes menos favorecidas. As consequências negativas dessa negligência se manifestam de diversas maneiras, afetando a economia, a segurança pública, a estabilidade política, a imagem do Brasil no exterior e as oportunidades para o futuro do país como um todo.
É claro que setores menos arraigados das nossas elites econômicas já reconhecem que um capital humano qualificado em todas as classes sociais é fundamental para o crescimento econômico e a competitividade das empresas. Profissionais com boa formação educacional são mais produtivos, criativos e capazes de se adaptar às demandas do mercado de trabalho em constante mudança.
Portanto, além do cumprimento dos investimentos determinados por lei por parte de todas as esferas de governo, é necessário também uma mudança na visão de nossas elites políticas e econômicas com relação ao papel e à importância da Educação para o desenvolvimento de todos. No dia em que finalmente entenderem que investir em Educação pública de qualidade compensa, teremos chances bem maiores de um futuro melhor para todos.
Maria Alice Nunes Costa, doutora em planejamento urbano e professora, Universidade Federal Fluminense (UFF).
Este artigo é republicado do The Conversation dentro da licença Creative Commons. Leia o artigo original.
Fonte: Portal UOL - Maria Alice Nunes Costa*