Qual o papel da tecnologia nas coletas de dados educacionais?
Secretarias precisam de sistemas de gestão que conversem melhor entre si, dizem especialistas reunidos em evento do Instituto Unibanco
O professor e estatístico Chico Soares, conhecido por afirmar que números isolados não ajudam educadores sem que tenham um contexto claro, reforçou essa ideia na quarta edição do Seminário Internacional de Gestão Educacional, promovido pelo Instituto Unibanco. Durante o evento, realizado na última quinta-feira (20), Chico analisou o modelo de avaliação educacional vigente e as pesquisas estatísticas do país.
Presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) entre 2014 e 2016, o professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) conhece bem as dificuldades enfrentadas pelos gestores das secretarias de educação na coleta de dados. “Uma secretaria de educação tem de juntar três sistemas diferentes para enviar a frequência mensal para o Inep (que realiza o Censo Escolar). Esse é o desafio sobre o qual falamos em termos de dados e evidências de educação no Brasil”, observou. Para ele, as soluções de coleta de dados precisam ser projetadas para oferecer valor e sentido aos usuários finais, em vez de apenas alimentar programas específicos.
Alessandra Debone, pesquisadora do NEES (Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais) da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), compartilha dessa visão e acrescentou à discussão a complexidade da implementação de soluções tecnológicas na gestão educacional. “A desconexão de dados é um problema grave. Muitos secretários de educação não conseguem saber o número de escolas em sua rede porque os sistemas de matrícula não conversam com os de gestão escolar”, afirmou.
Para ela, desenvolver soluções isoladas não soluciona o problema. “Quando olhamos para a quantidade de bases de dados do Ministério da Educação que estão inativas, vemos muitas políticas descontinuadas com muita informação lá”, comentou, reforçando o cansaço dos profissionais de educação que precisam enviar repetidamente a mesma informação para diferentes sistemas.
Processo contínuo
Ao criticar a tendência de as coletas de dados e evidências focarem excessivamente na medição de resultados, Chico argumentou que a avaliação deve ser parte de um processo contínuo de ensino e aprendizagem. “Nós não fazemos isso. Esquecemos todas as etapas anteriores e, de repente, nós as medimos.” Ele defendeu uma abordagem que inclua a definição de expectativas de aprendizagem, capacitação de docentes e verificação constante do processo pedagógico.
Alessandra também destacou a diferença entre identificar um problema e implementar uma solução eficaz. Ela mencionou o processo de busca ativa para combater a evasão escolar como um exemplo de solução tecnicamente correta, mas operacionalmente desafiadora. “Precisamos de soluções que sejam operacionalmente implementáveis e que considerem a realidade das escolas”, disse, referindo-se ao conceito de “Inteligência Artificial Desplugada” promovido pelo NEES, que utiliza tecnologias que funcionam offline e requerem baixa competência digital dos professores. A iniciativa considera a realidade de 42% das escolas brasileiras de ensino fundamental e médio, que não possuem computadores e internet para os estudantes, como informa a pesquisa TIC Educação de 2022.
Olhar holístico
Para Chico, a gestão pedagógica deve estar no centro das atenções para que os esforços, inclusive os de coleta de dados e evidências das secretarias, sejam eficazes para toda a rede de ensino. “Um projeto pedagógico eficaz deve responder a três perguntas essenciais: o que ensinar, como ensinar e como avaliar. Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) forneça diretrizes gerais, é preciso concretizar essas diretrizes em tarefas específicas”, afirmou.
Uma das principais preocupações abordadas por Chico é a desigualdade na educação e a necessidade de políticas pedagógicas que considerem a interseccionalidade. Apenas 22% dos meninos negros e pobres completam o ensino fundamental em nove anos, comparado a 83% das meninas brancas de alto nível socioeconômico. “Eu devo olhar as desigualdades pelo conceito da interseccionalidade. Não posso olhar uma variável unicamente”, assegurou.
A despeito dos desafios, Chico acredita que é possível melhorar a aprendizagem com abordagens pedagógicas bem definidas e uma gestão educacional que valorize a equidade e a inclusão. “A melhor política pedagógica não pode fugir da dura realidade de que o menino preto e pobre está ficando na escola e não está aprendendo. Evidências são necessárias para construir um país melhor, mais próspero e mais justo.”
Alessandra complementou, enfatizando a importância de envolver os educadores de maneira mais ativa nesse processo de implementação. “As políticas públicas são feitas de ideias, mas a implementação é feita de pessoas”, ponderou. Ela citou o sistema de gestão do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) como um exemplo de coleta e integração eficiente de dados educacionais, adaptando-se às diferentes realidades dos municípios brasileiros.
O seminário destacou a urgência de repensar as estratégias de gestão e avaliação educacional no Brasil, promovendo um sistema que não só coleta dados de forma eficaz, mas também os utiliza para criar um ambiente de aprendizado mais justo e inclusivo. Em breve, as mesas de debate estarão disponíveis no YouTube do Instituto Unibanco.
Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa D'Maschio