Transição entre as etapas escolares se apoia no acolhimento e no estímulo ao estudante
Como a mudança entre as etapas de ensino afetam aspectos socioemocionais dos estudantes? Acolhimento é central nesses momentos
Ano após ano, os estudantes se despedem de uma rotina para alcançar uma nova fase escolar. A mudança é significativa na transição dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental, e ainda mais marcante quando os jovens chegam ao ensino médio. Somam-se aos desafios, como o aumento da carga horária e organização pessoal, demandas socioemocionais ligadas à ansiedade e ao estresse, que advêm da pressão pelo bom desempenho. Como a escola e a família podem acolher esses alunos, estimulando-os a celebrar as novas etapas?
Estudante do 8º ano do Colégio Batista Brasileiro, em São Paulo (SP), Ana Carolina Rodrigues Monteiro, 12, não se esquece do estranhamento inicial de dois anos atrás, quando entrou no 6º ano. “São muitos professores, no começo até demorei para decorar os nomes. Precisamos nos tornar mais responsáveis e com mais autonomia. E, ao mesmo tempo, ganhamos novas matérias, que vão ficando mais difíceis.”
Ana passou a ter seis aulas por dia, no período das 7h20 às 12h50. As tarefas de casa não são mais lembradas pelos professores, e sim divulgadas em um mural de planejamento e avisos na sala de aula, fazendo com que o aluno busque por conta própria o que deve entregar. “Fui me acostumando à nova rotina só no 7º ano. Entendo que temos que ser mais maduros, as matérias exigem mais concentração, mas vejo colegas que ainda não estão preparados para lidar de maneira mais séria. Outro dia, na aula de ciências, eles começaram a rir da diferença entre sexuado e assexuado, cheios de piadinhas. Para alguns, ainda falta maturidade”, diz.
Psicopedagoga e diretora da NeuroConecte, Alcione Marques explica que os anos finais do ensino fundamental envolvem, de fato, uma mudança significativa na rotina escolar dos alunos, exigindo mais organização e autonomia crescente para lidar com um número maior de atividades e componentes curriculares.
“Além disso, os alunos passarão a se relacionar com professores que normalmente estão muito menos vinculados emocionalmente com eles. Vários estudantes precisam mudar de escola, com todas as dificuldades de adaptação que isso traz. É importante que as escolas, em conjunto com os professores, tenham consciência destas dificuldades e organizem ações para minimizar os impactos desta mudança”, sugere.
Ações de acolhimento
Autora do livro “Dilemas na educação – novas gerações, novos desafios” (Autêntica Editora, 304 páginas), ao lado do psiquiatra Gustavo Estanislau, Alcione comenta que alguns países têm tido experiências bem-sucedidas ao professor regente, que acompanhava a turma no equivalente ao 5º ano, em alguma disciplina também no 6º ano. O objetivo é oferecer apoio emocional, com o papel de auxiliar os estudantes a compreender as exigências da nova fase. “Se isso não for possível, é fundamental que a escola designe um professor para ser o tutor da turma com estes objetivos”, avalia.
Ações para incluir os novos estudantes e aproximar os alunos deveriam ser pensadas, aponta a especialista. “Também é importante que os novos professores saibam mais sobre o histórico dos estudantes que estão entrando no 6º ano, vindo de outras escolas ou não, para pensarem estratégias pedagógicas e relacionais mais assertivas. Lembrando que isso não pode nunca servir à perpetuação de estigmas e visões negativas e limitadoras dos alunos.”
Planejamento e apoio
Maria Clara Cândido Rodrigues, 15, acaba de ingressar no ensino médio no Centro Educacional (CED) 104 Recanto das Emas, em Brasília (DF). A nova escola é ainda mais longe de sua casa e os amigos, que também se mudaram para essa unidade, estão alocados em outras turmas. “Mal começou e eu já sinto falta dos meus professores do ensino fundamental, que comentaram sobre as diferenças que iriamos sentir quando entrássemos no ensino médio. É muita matéria, muito professor, muita pressão. Aqui na escola também comentaram sobre a nova fase”, conta.
De acordo com Katia Smole, diretora-executiva do Instituto Reúna e ex-secretária de educação básica do MEC (Ministério da Educação), essa transição precisa começar antes dos estudantes saírem do 9º ano e estarem na 1ª série do ensino médio. “Para uma transição cuidadosa, é essencial que escolas e professores promovam interações entre os estudantes dessas duas fases. Uma estratégia eficaz seria organizar encontros ou mesas-redondas onde alunos do ensino médio compartilhem suas experiências, desafios e dicas para o sucesso escolar, criando um espaço de diálogo aberto e inspirador”, aponta.
Ainda há o caso em que os estudantes das escolas públicas não apenas mudam de ano, mas de rede. Kátia sugere uma abordagem colaborativa entre estado e município. “As escolas podem organizar programas de parceria, começando com visitas guiadas dos alunos do 9º ano às escolas estaduais, permitindo que eles conheçam as instalações, a cultura escolar e os programas acadêmicos disponíveis. Essas visitas podem ser acompanhadas de sessões de perguntas e respostas com alunos e professores do ensino médio para oferecer uma visão realista e esclarecedora sobre o que esperar.”
Esse preparo é importante para lidar com os alarmantes números da evasão escolar no Brasil: apenas 6 em cada dez estudantes concluem o ensino médio no país, aponta estudo da FIRJAN-SESI. Aproximadamente 500 mil brasileiros com mais de 16 anos deixam a sala de aula todos os anos.
“Em particular, para estudantes de escolas públicas, em situação de vulnerabilidade social, podem se somar outros desafios que causam o abandono escolar, como limitação de recursos para acessar materiais didáticos, tecnologia, alimentação adequada e transporte, aumentando o estresse e a ansiedade”, reflete Katia.
Ela também cita outros motivos de desistências, aos quais a comunidade escolar precisa estar atenta. “A necessidade de ter que conciliar os estudos com trabalho ou responsabilidades domésticas afetam sua capacidade de se concentrar nos estudos e participar de atividades escolares; a falta de um ambiente tranquilo e propício ao estudo em casa pode prejudicar o desempenho acadêmico e aumentar a frustração sentimento de exclusão e estigmatização social na escola devido a diferenças socioeconômicas, impactando negativamente a autoestima e o sentimento de pertencimento; a percepção de oportunidades futuras limitadas diminuem a motivação e a esperança em relação ao futuro”, lista.
Em todos os casos, Kátia sugere às escolas, públicas ou particulares, que criem um programa de mentoria, no qual alunos do ensino médio atuem como mentores dos estudantes que chegam do 9º ano, oferecendo suporte emocional e acadêmico, ajudando-os a navegar pelas mudanças com mais confiança.
O papel da família
Entender estes momentos de mudança como a celebração de uma etapa de maior autonomia é fundamental, aponta Alcione, que também destaca o papel da família nesse cenário. “Auxiliar a família a valorizar esta autonomia, estimulando e apoiando o estudante, é ampliar a confiança em si e a capacidade de assumir novas responsabilidades”, reforça.
Para a especialista, a escola precisa sugerir que os responsáveis contribuam com o apoio aos estudantes no início, ajudando-os a se organizar e a estabelecer as novas rotinas, “mas que tenham sempre em vista que o objetivo é que o filho possa gradualmente dar conta sozinho das demandas da escola.”
Esse suporte é ainda mais crucial no ensino médio, destaca Katia. “Uma coisa muito importante para as equipes escolares, pais e professores do 9º ano ficarem atentos nas escolas, especialmente nas públicas, é o incentivo aos filhos e filhas se interessarem e desejarem ir para o ensino médio. Falem com eles sobre essa importância e criem situações de apoio para que comecem a pensar seriamente nisso, vejam as vantagens e importância de seguirem estudando para a sua vida, para o seu futuro.”
Nesse sentido, Katia comenta que também seria interessante a escola disponibilizar acesso à orientação psicológica para ajudar os estudantes a lidarem com ansiedade, estresse e questões emocionais, assim como criar espaços que promovam o aprendizado ativo e colaborativo, reduzindo a pressão do ambiente tradicional de sala de aula. “Outro fator importante são as atividades curriculares pautadas em metodologias ativas que encorajem os estudantes a explorar interesses pessoais e desenvolvem um senso de identidade. Ter tutoria, ou um mentor de classe, estabelecer um ambiente onde os estudantes se sintam seguros para expressar suas preocupações e onde haja um diálogo aberto entre alunos, professores e pais é uma boa opção de criar alguém que na escola será um ponto de apoio nessa nova fase.”
Incentivar os jovens a se engajar em causas que lhes interessam é uma maneira de oferecer suporte e recursos para explorar seus interesses e contribuir para a sociedade de maneira significativa. “É preciso propiciar uma educação que não apenas foca em competências acadêmicas, mas também em habilidades de vida, como resiliência, empatia e pensamento crítico, preparando-os melhor para enfrentar o mundo”, diz Katia. “Penso que uma das coisas mais relevantes a se fazer é focar na beleza jovem, nos desafios jovens, na potência das juventudes e no futuro que elas representam.”
Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa D'Maschio